terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Prosas...de(vidas)...


Há conversas que só são ouvidas pela alma...disso tinha a certeza!
Sempre que recua nas memórias passadas lembra-se das conversas que ouvia e que uma criança não devia saber...palavras que não devia escutar.
Sentia a crueldade de adultos e das crianças a cada passo, em várias circunstâncias, mas não se deixava intimidar. Recusava-se a seguir os passos dos cruéis, e transformava a maldade, que sentia a pele e que sabia existir, em energia para seguir em frente, em capacidade para ultrapassar obstáculos e em vontade de ajudar os que como ele se sentiam excluídos do direito de serem felizes.
Esta força acompanhava-o desde sempre, ninguém compreendia, nem ele, como é que era capaz de enfrentar aqueles que se faziam temer, que julgavam que tinham muito poder.
Como é que era capaz de fazer perguntas tão incómodas?
Que força era essa que trazia no olhar?
Perguntava-se a cada passo se estaria certo, se o seu percurso era real ou se era apenas um sonho, um sonho mau que a qualquer momento poderia acabar.
Mas lutava por aquilo em que acreditava e pareciam-lhe certas as palavras que ouvia da sua avó materna, quando na ternura e sabedoria dos seus noventa anos lhe dizia, com voz de passarinho:
_ Meu filho, tu és um anjo brilhante...que veio à terra para iluminar o caminho.
_ Ora avó...sou nada, sou um diabinho preguiçoso, de quem ninguém gosta, um traquina que descobre caminhos que depois ninguém quer seguir.
_ Mas querido, esses caminhos são para serem andados só por aqueles que estão dispostos a cair muitas vezes, a esfolar os joelhos...
_ Os joelhos não avó, os joelhos não...o coração, queres tu dizer, a esfolar o coração...
_ Lá estás tu com os teus exageros.
A avó olhava com os seus olhos cor de mar para aquele neto querido, que só ela comprendia e com um sorriso do tamanho do mundo, estendia as suas mão alvas e tornadas transparentes pelo passar do tempo apertando com força as mãos fortes do seu menino.
E mais uma vez o peso que trazia no peito desaparecia e o anjo menino voava mais uma vez e de novo enfrentava as agruras de ser um elemento novo na aldeia, de ser a figura sem fundo, o forasteiro.
Mas as vozes voltavam e mais uma vez ouvia:
-Sai daqui piolho, não vais comigo para a escola, sai do meu caminho.
E as gargalhadas acompanhavam os passos rápidos e seguros dos rapazes e raparigas que fugindo desapareciam por carreiros abertos no mato, a caminho da escola.
E mais uma vez ficava sózinho.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Desesperos...


Procurar em vão,
Por um rumo seguro.
Passar não passar?
Partir ou ficar???

Quantos vazios, por preencher...
quantos momentos por viver...

A vida traz a cada instante,
tons de incerteza, que temos que colorir,
cortar com o instalado,
agitar...acordar...
fazer o balanço...
voltar a segurar a nossa certeza.

Porque a vida nos dá,
desesperos,
porque a vida nos oferece caminhos,
vamos aceitá-los,
com força e aprendendo,
que nunca, mas nunca, estamos sozinhos.

Há sempre alguém...
que como nós caminha por ruelas desconhecidas,
por "caminhos menos percorridos",
que também tem momentos de dor,
mas que os transforma em formas de amor...

Porque amar é dar de nós...
é dar sem esperar receber...
mas é também acreditar e querer...
que o outro lado possa compreender...
e que esteja disponível para dar,
o melhor de si...para também amar.

Todos queremos ser amados...
Todos procuramos a felicidade...
Por vezes magoamos...porque nos querem prender...
E a nossa alma...precisa e quer CRESCER.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Excluidos...


Fazem pensar...e reparar que são invisíveis,
são como fantasmas que vagueiam sem lar,
que passam por nós de olhos no chão,
e que nos fazem desviar o olhar.

São feridas num corpo que é nosso,
Onde é que falhamos? Onde é que falharam?
Porque não nos acolhem?
Por onde escaparam?

Fogem dos nós que a vida lhes dá?
Hão-de ficar para sempre de fora?
Procuram na rua sem encontrar,
Esperam, esperam sem nada chegar.

Porque caminhos cruzaram?
Quantos laços desatados?
Quantos muros lhes ergueram?
Quantos direitos roubados?

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O outro lado...



Há um lado em mim,
que anda à deriva,
que procura sentido,
para esta vida.

Fico com saudades,
do que não posso viver,
queria estar contigo,
e em ti me esquecer.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Gente..


Gente com fome,
com falta de amor,
gente que sofre,
que foge com dor.

Gente como eu, como tu , como nós,
que não tem aconchego,
que não tem sossego...

porquê...porquê?

Gente que morre sem ter que morrer,
Gente que nasce só para sofrer..
Gente como eu, como tu, como nós...
que vale tão pouco logo ao nascer.


Será que é Carma,
cumprir a missão?
Ou será que no fim,
não há nenhuma razão?

domingo, 26 de outubro de 2008

Idade Média...ainda...

Polícia angolana resgata 40 crianças 'feiticeiras' em igrejas ilegais

Os líderes religiosos das igrejas ilegais, localizadas no bairro Uige, no município do Sambizanga em Luanda, que tinham em sua «posse» as crianças, foram detidos na operação de resgate dos menores.

Segundo o administrador do município do Sambizanga, José Tavares Ferreira, as crianças, com idades compreendidas entre um e 15 anos, encontravam-se retidas no interior de duas casas que serviam de igrejas, na comuna do Ngola Kiluange (Sambizanga).

Entre o grupo de crianças hoje levadas para o Lar Kuzola, que acolhe crianças em dificuldades em Luanda, quatro estão hospitalizadas em estado grave, devido aos maus-tratos a que foram submetidas para serem «libertadas» dos «maus espíritos».

«As crianças sofreram maus-tratos, foram castigadas e isso vê-se no aspecto delas. Quatro estão hospitalizadas em estado grave porque foram encontradas com feridas a gangrenar», disse à Lusa José Tavares Ferreira.

De acordo com o administrador do Sambizanga, o processo de investigação que durou cerca de 15 dias, teve início depois de uma denúncia feita por populares residentes na zona.

Neste processo estiveram envolvidas, as delegações provinciais dos ministérios da Justiça, da Assistência e Reinserção Social, da Cultura e o Instituto Nacional de Assuntos Religiosos.

«A investigação já começou há 15 dias. Tínhamos que fazer o trabalho com muito cuidado para não permitir que eles fugissem ou fizessem qualquer coisa que não permitisse o sucesso do trabalho», disse José Tavares Ferreira.

José Tavares Ferreira referiu ainda à Lusa que estas igrejas denominadas «Igreja de Revelação do Espírito Santo de Angola» e «Igreja Boa Fé» são oriundas da província do Zaire, região onde os casos de crianças maltratadas sob acusação de serem feiticeiras são mais graves em Angola.

«A situação é grave, mas o mais chocante é que são os próprios pais que levam os filhos para essas igrejas. Há crianças que estão nesses locais há mais de um ano e temos a informação de que aos fins-de-semana chegam a aparecer nessas igrejas cerca de 500 crianças», sublinhou.

Segundo o administrador, o contacto com os familiares dessas crianças não foi possível.

O problema das crianças acusadas de feitiçaria ou serem feiticeiros assume em Angola proporções que as autoridades e o Instituto Nacional da Criança (INAC) admitem como grave.

O fenómeno, segundo vários estudos publicados na área da sociologia, tem origem em questões ancestrais, sendo a sua prática oriunda da tradição Bantu, que integra a quase totalidade do território angolano, onde um dos aspectos mais importantes é a crença de que as crianças encarnam os maus espíritos e são responsáveis pela «má sorte» das famílias.

Mas, a par desta realidade ancestral, há ainda as dificuldades de subsistência das famílias onde o fenómeno ocorre, o que serve de catalisador para o problema porque é uma forma de estas se livrarem de uma boca para alimentar.

As áreas geográficas onde as acusações de feitiçaria a crianças são mais significativas situam-se a norte do país, junto às fronteiras com a República Democrática do Congo e Congo-Brazzaville (países onde o problema é igualmente grave) nomeadamente o Uige, Zaire, as Lundas, Norte e Sul, e Cabinda.

O crescente surgimento de casos em Luanda resulta do facto de a guerra de 27 anos, que até 2002 assolou o país, ter obrigado milhares de famílias destas regiões a procurar refúgio na capital angolana.

Tanto o Governo como as organizações da sociedade civil e as igrejas, com destaque para a Católica, têm apostado no combate a estas práticas através de campanhas de sensibilização, criação de centros de acolhimento e ainda na perseguição aos autores dos crimes perpetrados contra as crianças.

Espancamentos, jejuns prolongados, queimaduras e enclausuramento em espaços exíguos são alguns dos «tratamentos» aplicados que as autoridades detectam quando resgatam crianças acusadas de feitiçaria.

Lusa/SOL