segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Bendita matemática...


Estava escrito...hoje era o seu dia!


As pernas tremiam, as mãos suavam, o estômago doía de tão encolhido que estava.
O medo tolhia-o!
Olhava angustiado para o enorme problema que com números redondos, brancos, medonhos, esperava, à espreita, como fera pronta a lançar-se sobre a sua presa.


Sentado na sua carteira o Zé, contorcia-se e enviava olhares inflamados de sabedoria...como raio é que ele percebia aquilo?


Os rapazes e raparigas estavam de cabeça baixa, cada um tentando decifrar aquela algarvariada de números, que encavalitados uns nos outros punham a cabeça a rodopiar e vazia de pensamentos.


O Zé continuava com o olho de àguia, pronto, à espreita da melhor oportunidade para virar a lousa e deixá-lo copiar.


De repente, num momento, os números começaram a surgir. À medida que o medo foi desaparecendo os algarismos iam formando uma fila lógica na sua cabeça e o mistério ia sendo desvendado...bendita matemática!


Cheio de orgulho, de peito inchado, foi resolvendo as contas uma a uma.


E de alma lavada, desceu do estrado.
Hoje era o seu dia!


terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Olhos de menino...Prosas de(vidas) 3


Sentiram as palavras àsperas como chicotes:


_ Porque é que entraram só agora? Brincamos?


A cana bateu com força na cabeça do Zé. Todos se encolheram e no profundo silêncio, nada mexia, ninguém respirava. A qualquer momento a cana da professora podia cair sobre a cabeça de alguém, por isso o melhor era encolher os ombros, baixar os olhos e não chamar a atenção.


As reduções foram feitas em minutos, quase ao mesmo a tempo que a professora as passava no quadro. Os bocadinhos da lousa eram perfeitos para fazer as contas, se as contas não estavam certas, um pouco de cuspo na mão e rapidamente se emendava o resultado, uma olhadela para o lado, para confirmar e já estava, podiam finalmente suspirar de alivio. O barulho do lápis a escrevinhar era o único som que se ouvia, todo o resto era silencio.


O disfarce era a melhor defesa, o lápis cantava baixinho, não fosse a professora ouvir. Qualquer chiadeira era sinal de alarme e motivo para ser chamado ao quadro. E aquele mostro preto, que parecia que engolia as letras e os números que eram lá rabiscados , assistiu vezes sem conta ao pavor, ao puro terror de quem se via de frente a esta imensidão preta e tinha que resolver os problemas.




quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Prosas (de) vidas 2


Sentiu a raiva a crescer dentro de si, maldisse aquelas pernas curtas, que o faziam ficar para trás enquanto os outros desapareciam na curva do caminho estreito e pedregoso, que mais parecia traçado para cabras.

As lágrimas teimavam em molhar os olhos cor do céu, mas ele segurava-as bem dentro de si. Com os seus sete anos de vida, já tinha aprendido a chorar para dentro, a chorar como quem ri.

Continuou no seu passo certo, curto mas seguro ( pelo menos para quem o via), para ele nem tanto.

Ao chegar ao adro da igreja, sentiu as risadas dos colegas como punhais cravados nas costas, mas disfarçou, disfarçava sempre muito bem, tão bem que rapidamente desistiam de o provocar.

Mas desta vez foi mais forte do que ele, ao ouvir o Rato a dizer:

_Olha o Mariquinhas já chegou.

E pronto, as lágrimas caíram. Qual cascata impetuosa foram deslizando pela bochecha e nem a manga da camisola foi capaz de as deter.

Salvou-lhe a honra o amigo Zé, que qual cavaleiro andante, vinha sempre em seu socorro. Mais uma vez a vergasta de oliveira zumbiu junto às orelhas do Rato e este saltou, que nem um rato, e as pernas ficaram com um vinco avermelhado:

Ah, ah...não foste rápido a desviar-te...bem feito...aprende seu burro.

E o rato lá engoliu esta desfeita, mas lançou um ar de desafio ao Zé, como que a dizer:

_Não perdes pela demora.

O velho Fiat da professora apareceu na esquina, grandes e pequenos correram a bom correr desde o adro até à escola.

_Obrigado Zé, mais uma vez deste-lhe bem...já sabes que logo vais ter a bruxa à perna.

_ Vamos passar a correr, de ouvidos bem fechados...

_ Porra da velha, pensa que tem um santinho!

_ Pois que se meta comigo, ouve das boas.

_O pior é que ela vai fazer queixa ao teu pai, sabes como ele é, dá-te forte, e tudo por minha culpa.

_ Vá, anda daí, não sejas parvo.

E como dois irmãos, unidos por forte camaradagem, entraram para a sala.